Aprendi uma idéia
nova:
auto-regulação.
Sempre soube que o corpo
é um sistema
auto-regulável
que expressa suas necessidades
e procura satisfação – se
está
desidratado, manifesta sede;
se está cansado, encosta, ou
senta,
ou deita; se está com calor
procura a sombra, tira a
roupa.
Auto-regulação, portanto, é uma
característica do corpo de
buscar
o equilíbrio através de movimentos
muitas vezes
imperceptíveis.
Comeu muito açúcar? O corpo tira
cálcio das reservas
para neutralizar
a acidez que o açúcar provoca.
Andou de sandália
nova?
O corpo faz uma bolha d’água
para proteger o dedo e
acumular
material que reponha a pele,
talvez em várias camadas
calosas,
se você insistir na sandália.
Até aí, nada de novo.
A
grande novidade, para mim,
é pensar que o corpo se auto-regula
também em
relação a emoções.
Produzindo lágrimas, por exemplo, quando se sente
triste.
Ou rubor nas faces ao se perceber alvo de uma atenção
especial.
Suando fedido apesar do desodorante, se a
situação é de ansiedade e há muita
adrenalina circulando.
Isso quer dizer que a emoção encontra uma forma
concreta
de expressão que ao mesmo tempo é uma descarga, uma
forma de
liberar a tensão que aquela emoção provoca.
E é nesse ponto que a coisa
começa a ficar mais
interessante. Veja só: alguém que está
auto-regulado
usufrui de um estado de prazer, satisfação,
integração
consigo mesmo e com o meio ambiente. O corpo
digeriu emoções e
alimentos e voltou ao estado de
equilíbrio, que vai durar até que algo
aconteça –
do lado de fora, como um repentino vento frio, ou
do lado de
dentro, como a vontade de ir ao banheiro.
Mas vamos supor que não seja
possível sair do vento,
não seja possível ir ao banheiro. O corpo vai
reagir
como? Criando mecanismos de contenção para lidar
com a
impossibilidade: contrai a musculatura, respira
menos. Com isso o fluxo de
energia corporal fica mais
lento, ou mesmo bloqueado. Quando for
possível
encontrar abrigo e alívio, o corpo também vai poder
relaxar e
recuperar seu estado de prazer.
A grande encrenca acontece se a
auto-regulação não se der.
Por exemplo, uma criança fica triste e chora. Mas
de tanto
ouvir a mãe dizer para não chorar, cria uma retenção,
bloqueia o
choro, e com isso o corpo não pode se autoregular.
Há um engarrafamento de
energia ali, a respiração
piora, os músculos se ressentem, os fluidos não
circulam
livremente. A emoção já passou há muito tempo
e a retenção
continua.
– De tanto não fazer o que precisaria para atender
a um
processo de auto-regulação, o organismo
deixa de ser saudável, se torna
neurótico,
diz Julia Andrade, terapeuta que trabalha
com a linha
biodinâmica, estetoscópio
em punho. O que ela escuta com ele:
o movimento
dos fluidos na barriga.
– É o psicoperistaltismo, explica. – O sinal de
que
o organismo é saudável se identifica através de sons
na área baixa do
abdômen, como os de um rio passando.
Essa fluência indica que o corpo está
sendo capaz de
regular e dissolver produtos de pressão e tensão
emocional.
É uma segunda função do intestino:
além de processar os
alimentos,
separando o que vai para o sangue
do que vai para fora, ele
também
“digere” as emoções.
Julia observa que na nossa cultura se
valoriza muito o fazer,
trabalhar, produzir: uma pessoa acha que está bem
quando
tem muitas atividades.
– Mas na perspectiva da
auto-regulação
se dá importância a chegar em casa,
relaxar, saborear a
experiência do dia,
dar um tempo entre uma situação e outra.
Antes de
começar uma nova atividade, ter certeza de que
digeriu a anterior. Perceber
quando é preciso descansar.
Escolher o que dá mais prazer em vez do que os
outros
acham que é bom. E sentir confiança nos processos
corporais de
descarga, como chorar, desabafar, gritar,
bocejar, rir, soltar gases, gemer,
cochilar, enfim: tudo o que
pode trazer de volta a respiração calma, a
fluidez dos
líquidos do corpo, o prazer.
Fundamental, diz Julia, é não
ficar acumulando raiva,
frustração ou qualquer outra emoção difícil, nem
fazer de
conta que não sentiu: pode até segurar na hora porque a
sociedade
e a cultura exigem, mas depois tem que expressar
para dissolver. Seja na
massagem, na caminhada, na terapia,
dançando na discoteca, conversando com
algum amigo ou
na happy hour antes de voltar para casa. É o momento
para
falar, rir da situação, reclamar, falar mal do chefe...
E você, já deu
sua auto-reguladinha hoje?
(Crônica do livro Meditando na
cozinha,
republicada hoje para a leitora Elis Melo em nome de todas
as mulheres estressadas do mundo)